domingo, 26 de outubro de 2014

Adriane Galisteu Fala de Família Senna em Seu Livro Caminho das Borboletas

A família de Ayrton Senna estava o atormentando nos seus últimos dias de vida. O motivo: Senna iria pedir Adriane em casamento após o GP de San Marino, em 01 de maio de 1994, mas infelizmente durante a prova ele sofreu um gravíssimo acidente e morreu. A família era contra o casamento dos dois. 





Abaixo trechos do livro "Caminho das Borboletas"



Família atormenta Ayrton Senna, eles estavam fazendo pressão pra que Ayrton desistisse de se casar com Adriane:

Braga conhecia o Béco e sabia o que se passava no fundo de seu coração. O ídolo é um alvo fácil para a intriga, o veneno, a inveja, o medo dos que gravitam em torno dele, a insegurança de quem tenta inutilmente controlá-lo. Braga sabia que Ayrton estava sob pressão - e que a Benetton e Michael Schumacher não eram as únicas coisas do mundo a atormentarem seu sono. Mas sabia da integridade do amigo, da força de sua determinação e da sinceridade de seus sentimentos.

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A família era encostada em Ayrton (e continuam encostados até hoje, pois vivem dos direitos de imagem dele e dos produtos licenciados que vendem):

Para nós, o que Angra era no Brasil, o Algarve era na Europa. Há dois anos e meio Ayrton fazia daquele cantinho ensolarado do sul de Portugal o seu mix de refúgio e escritório ao longo de toda a temporada européia - que, com uma ou outra alteração de calendário, coincidia com o período mais agradável de final de primavera, verão e comecinho de outono. De mais a mais, as férias escolares brasileiras, em julho, sempre davam chance para que a família, ou parte dela, se achegasse - como aconteceu em 1993. Pude curtir meus primeiros momentos de verdadeira  intimidade com a Zaza, mãe dele - a quem eu ainda tratava pelo cerimonioso "dona Neide". Intimidade é isso: café da manhã juntas, preparar na cozinha uma comidinha especial para o filho, sair às compras com ela e a Juraci, a caseira. Viver essas coisas banais do cotidiano. Viviane, a irmã mais velha de Ayrton, apareceu com as meninas, Bia e Paulinha. Bruno ficou com o avô na fazenda de Tatuí, treinando no seu kart.

Pude sentir, nas palavras trocadas à mesa ou à beira da piscina, o que o Béco significava para eles: o xodó, o filho vitorioso, o arrimo, o eixo, quase a motivação de cada uma daquelas vidas. Uma mulher a mais, uma namorada, seria sempre uma ameaça à ordem natural da rotina familiar, um perigo. Namoradinha, que fosse - mas  que não passasse daí (foi longe, passou daí... Adriane morava com Ayrton a mais de 1 ano e seria sua esposa, para o desagrado da família dele). Isso eu vejo agora. Não pela cabeça naqueles dias, naquelas semanas. Eu só sabia repartir com eles, o Béco e a família, coisas boas.

Por exemplo, a vontade súbita de fazer umas comprinhas em outras cidades da Europa. O jato do Béco estava quase sempre disponível, nos intervalos entre as provas e lá fomos nós, a mãe, a irmã e as crianças para uma temporada de aquisições em Londres. Sendo que, uma tarde, saindo só nós duas, Bia e eu, ela simplesmente evaporou, dentro da Harrods. Eu, desesperada, descabelada, procurando. Nada. Perguntei por ela, no meu inglês estropiado. Nada. Fui até a porta. Nada. Meu desespero me obrigou  a uma última saída:

- Biiiiaaaaaa!

Dei um berro que toda a gigantesca loja de departamentos ouviu.

Inclusive ela, ainda bem. Calmamente, experimentava roupa num daqueles provadores.

Próxima escala: Paris. Desembarcamos no hotel e saímos em disparada, à procura de um táxi. Estava tudo estranhamente calmo. O porteiro nos deteve:

- Mesdames, vocês sabem que dia é hoje?

14 de julho, feriado nacional. Tudo fechado. E só tínhamos mais um dia. Saímos assim mesmo, lambendo as vitrines. Conseguimos descobrir duas lojinhas antipatrióticas: uma de perfumes, outra de cristais.

Béco foi nos encontrar lá, já a caminho dos testes do GP da Alemanha. Abriu nossos quartos e quase desmaiou:

- Vocês estão malucas?

Teve a pachorra de contar: 38 malas, para quatro mulheres. O paciente Mahonney conseguiu acomodá-las, todas, no avião. Posou, antes, para uma foto que mostrasse toda aquela bagagem. Simpaticíssimo personagem, do qual sentirei falta, o Mahonney. Lembro-me de que ele reclamava apenas de uma coisa: de tão próximo do Béco, nunca ninguém se lembrara de fotografá-los juntos, piloto e piloto. Soube, aliviada, que às vésperas do acidente fatal em Ímola a foto foi feita.

Mas o convívio em Mônaco, a sós, tinha feito tão bem que não nos cansávamos de planejar novas viagens, apenas os dois.


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Nas ultimas conversas que teve com sua amada, Ayrton tocou no assunto sobre o pedido de casamento que faria a ela naquela noite de 01 de maio de 1994 e também comenta sobre as intrigas da família dele. A família armou contra Adriane para fazer Ayrton desistir de se casar com ela. Porém a armação não deu certo.

Ao sair do banho, o telefone voltou a tocar. Atendi no banheiro, espreguiçando sobre o tapete branco e alto, fofo como o pêlo de um gato angorá:

- Becão, está se sentindo melhor?

Ele não chorava, mas sua voz era um fiapinho:

- Olha, minha cuca está no pé. O Braga, o Léo e o Galvão (Bueno, da TV Globo) estão aqui, graças a Deus. Saímos para jantar, conversamos, estou melhor.

Tradução: ele ia correr, e ia correr para vencer.

- Estou preparado para sentar no carro e acelerar fundo - disse.

Seu generoso coração preparava, em segredo, uma surpresa. Em vez da bandeira do Brasil que ele costumava acenar nos dias de vitória, já tinha encarregado um amigo de conseguir uma bandeira da Áustria. Seria sua homenagem ao infeliz Ratzenberger. Um iniciante na Fórmula l. Mas, para Ayrton, não existem hierarquias nem na vida nem na morte. Ele me confidenciou seu gesto. Juro que aí quem teve vontade de soluçar fui eu.

Disfarcei com uma certa irritação:

- Pô, quando morre alguém da família, pára tudo, não pára? As pessoas põem luto...

Soube depois, pelos amigos, pela imprensa, que a prova de Ímola esteve por um fio. Ayrton deu declarações públicas denunciando a insegurança do circuito e lamentando os acidentes. Mas ele era a última pessoa do mundo a poder comandar uma operação-boicote. Tinha perdido as duas primeiras provas, estava atrás de resultados, qualquer atitude sua poderia ser entendida como um pretexto para ganhar tempo, para não competir. E, se havia coisa no mundo que Ayrton não era, era frágil e covarde. Comigo, naquela noite, às vésperas da tragédia, ele só repetiu seu constrangimento sintomático:

- É assim mesmo, esse pessoal é assim mesmo - para logo mudar de assunto.

A caseira interrompeu para animá-lo com o cardápio que ela preparava para a chegada. Típico da simplicidade dele: galinha grelhada e legumes no vapor. Peguei de novo o telefone. Falamos de nós. De saudade e de amor. Trocamos juras apaixonadas.

- Preciso lhe dar umas palmadas - disse ele.

- Palmadas? Por quê?

- Tenho muito a lhe dizer. A lhe propor. A lhe oferecer - prosseguiu. - Devo estar aí às 20h30, por aí. Quero passar a noite em claro. Vamos conversar até o amanhecer. Quero convencê-la de que sou, disparado, o melhor homem de sua vida.

Ri, com aquele comentário inesperado.

- Você não conhece os outros... - brinquei.

- Vou provar-lhe que sou o melhor.

Meu Deus, ele é o melhor homem de minha vida. O único. Será que eu ainda não deixara isso claro para ele? Ele era uma dádiva, um presente, um paraíso. Na nossa conversa noturna e meio bobalhona de dois enamorados, nem de longe imaginei que houvesse espaço para a intriga ou o veneno. De nossa parte, não havia. A paixão era nosso único alimento... 




FONTE PESQUISADA


GALISTEU, Adriane. Caminho das Borboletas. Edição 1. São Paulo: Editora Caras S.A., novembro de 1994. 


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