sábado, 19 de janeiro de 2013

Ayrton Senna, o imortal tricampeão




Desde 1994 que o 1º de maio não é o mesmo no Brasil. A data passou ao calendário nacional como o dia em que o país perdeu o seu ídolo maior, Ayrton Senna.  Eu, que fui testemunha da tragédia de Imola, prefiro lembrar o Senna piloto, transcrevendo parte da entrevista feita dias antes dele ganhar o tricampeontao no GP do Japão, em 1991:
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  Ayrton Senna era um perfeccionista. Desde a maneira como passava manteiga no pão até no ofício de piloto. Espalhava uma camada do creme igualzinha em toda a superfície como se estivesse decorando o pão.. Depois, cortava a fatia em pedaços simétricos e ia comendo os nacos como num ritual. Parece exagero, mas ele tentava fazer tudo perfeito, do pão à bandeirada de chegada. Ele dava para cada tarefa um sentido específico, desde a mais trivial até aquela que envolvia risco à vida.
  Só tomava um remédio depois de conferir a bula e de se certificar de que a posologia indicada batia com a recomendação do médico. A roupa do Ayrton – e ele lavava — só ia para a máquina depois de ele conhecer o tempo indicado para aquele tipo de tecido, a quantidade adequada de sabão, o tempo de centrifugar, enxaguar e Depois pendurava tudo direitinho, para não amassar.
Dai o perfeccionismo com seus carros tornou-o um piloto 24 horas por dia. Era atento a tudo o que se fazia nos seus protótipos. Exigia explicações para cada detalhe,  inovador nos carros, revia por horas seguidas os vídeos dos grandes prêmios e jamais se contentava com os resultados obtidos.
 Tinha fixação pela pole position. Ele dizia: “A pole é o primeiro prêmio numa corrida e sempre luto por este prêmio”. E realmente lutava para ser o primeiro do grid, tanto que quando teve carro para buscar a pole position – conquistou 65 –, a façanha foi mera rotina para ele, mas derrotá-lo virou troféu para os adversários da época.
Tinha preocupação até com o sucesso. Na Fórmula 2000, na qual foi campeão recordista em 1982, teve um início espetacular de seis poles position, seis vitórias e seis recordes de voltas seguidos, mas trouxe-lhe uma estranha preocupação: “Eu preciso me preparar para a derrota”, me confidenciou apreensivo em condicionar o ego.
 A decepção veio numa corrida pelo Europeu da F-2000, de 1982, em Zolder, Bélgica, Como de hábito, foi pole-position, mas o motor do Van Diemen explodiu na terceira volta. Foi a primeira derrota, naquela categoria, mas ele estava preparado.
Esta foi uma de suas anotações feitas na agenda-diário de capa marrom que ele registrou o início da carreira na Europa. Foi nesse diário que ele reproduziu e guardou a ficha com os resultados de seu primeiro teste na Fórmula 1 com o Wiliams FW-08C, anotados de próprio punho por Frank Williams.
Também me lembro de outras anotações do diário que revelavam facetas fortes do caráter do piloto:
Sobre o amor, escreveu: “É um sentimento que sempre gritou alto no meu peito desde criança e continua forte como sempre”.
Paz: “A paz vem do caráter, da personalidade. A partir do momento em que você é integralmente res­ponsável pelos seus atos passa a fortalecer uma situ­ação de equilíbrio e paz. Depois depende da sua for­ma de administrar o seu crescimento”.
Deus: “Eles está vivo para todo mundo. Para todos que quiserem vê-lo. Para uns mais próximo, para outros mais distante. É uma questão de procurar e de querer”.
Emoção: “Vocês nunca saberão como um piloto se sente quando vence. O capacete oculta sentimentos incompreensíveis”.
Vitória: “É irreal pensar que vou vencer sempre, mas sempre espero que a derrota não chegue nesse fim de semana”.
Competição: “Em condições normais corro para ven­cer e venço. Em condições adversas também posso vencer. E mesmo em condições muito desfavoráveis ainda sou páreo”.
Tensão: “Adrenalina é o meu combustível”.
Limite: “Se você quer ser bem-sucedido precisa ter dedicação total, buscar seu último limite e dar o melhor de si mesmo”.
Risco: “Procuro manter um equilíbrio entre a reali­dade e o fascínio que o risco desperta em mim”.
 Objetivos: “É engraçado. Quando acho que cheguei ao ponto máximo descubro que é possível superá-lo”.
 Autocontrole:  “Em situações difíceis eu me su­pero”.
  Sucesso: “Trabalhei muito para chegar ao sucesso, mas não conseguiria nada se Deus não me ajudasse”.

Na verdade, Ayrton estava preparado para tudo o que envolvia a sua carreira de piloto. Sabia que o Toleman, carro da estreia na F-1, não era um monoposto de ponta, mas encarou-o como a sua primeira vitrine.

Na Lotus tirou toda a vantagem dos potentes motores Renault e Honda podiam oferecer. Marcou 16 poles position de 1985/87 e venceu seis grandes prêmios, na senda que traçou para chegar a uma equipe que lhe desse condições de ser campeão mundial.

A grande chance chegou com a McLaren em 1988, uma temporada em que Ayrton Senna mostrou toda sua obsessão e audácia, não só em conseguir o seu primeiro título, do tricampeonato, mas ao enfrentar o estupendo Alain Prost, então bicampeão, dentro da trincheira da McLaren. Foi um duelo de gigantes. Tecnicamente magnífico dentro da pista e cheio de farpas políticas fora dela. Um duelo do qual Senna me confidenciou uma curiosa malandragem que ele curtia para irritar o francês:

Na primeira vitória de Ayrton na McLaren, no GP de San Marino em 1988, foi numa dobradinha com Alain Prost. No pódio ele acertou, por acaso, o olho do francês com champanhe. A coincidência virou mania, por que Alain ficava com o olho irritado e vermelho e Senna passou a mirar os olhos do francês sempre que subiam juntos ao pódio. Mas só acertou uma outra vez, no GP do Japão de 1988, quando foi campeão.

  Ayrton tampouco primou pela gentileza com alguns adversários na sua década de F-1. Teve atritos com Nigel Mansell, num GP da Bélgica, e trocou tapas com Michael Schumacher num teste de pneus em Nurburgring em 1992 e com Eddie Irvine na classificação do GP do Japão de 1993. 

 Outra caraterística de Senna era o cuidado nas entrevistas aos jornalistas. Normalmente apelava para um breve silêncio antes das respostas e, não raro, fazia um comentário paralelo sobre outro assunto para  arrumar o raciocínio que lhe convinha, antes de ir à réplica.
Também era discreto nas coisas do coração, Sempre manteve seus casos amorosos longe do público. “O piloto – dizia ele — e o empresário são públicos, mas o homem tem direito à privacidade”.
Orar, antes da corrida, era outro dos hábitos de Senna. Ele fazia uma prece íntima, mas insistia em que jamais rezou por vitórias. Porém, na sua fé fervorosa confessou que viu a imagem de Deus no céu de Suzuka, após cruzar vitorioso a bandeirada que lhe deu o  título de  1988, no GP do Japão. 
Esta é parte do Ayrton Senna que conheci no kart, acompanhei nas Fórmulas Ford, F- 2000 e F-3 e persegui na Fórmula 1. Um piloto que ganhou uma estrela na Constelação de Auriga e tornou-se o ídolo maior dos brasileiros. Principalmente pelo hábito patriótico de empunhar a bandeira brasileira na volta de comemoração de suas vitórias. A FIA, que detesta qualquer variação no roteiro do espetáculo da F-1, proibiu a festa do brasileiro e estipulou uma multa de 5000 dólares se ele desrespeitasse o veto. Senna absteve-se do ritual nas últimas 13, das 41 vitórias. Mas o que poucos ficaram sabendo é que entre seus pertences, entregues à escuderia Williams após o acidente fatal do brasileiro em Ímola, em 1º de maio de 1994, havia uma pequena bandeira da Áustria, retirada do bolso direito do macacão do piloto. Uma flâmula com a qual ele pretendia homenagear Roland Ratzemberg, o austríaco morto nos treinos daquela fatídica corrida.

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